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DIREITO A TER DIREITOS COMO DECORRÊNCIA DA DIGNIDADE HUMANA

Atualizado: 17 de jan. de 2021




Francisco Ilídio Ferreira Rocha



O primeiro aspecto da dignidade da pessoa humana passa, indispensavelmente, pela prerrogativa de ser reconhecido como ser vivo pertencente à espécie humana, como condição inescapável para a subsunção ao suposto de fato do próprio direito à vida. Esse pertencimento é precedente a todo e qualquer direito e concretiza-se na faculdade de ter a própria existência considerada como valiosa somente em razão da condição humana, sem a necessidade de preenchimento de qualquer outro critério.


Consubstancia-se no imperativo de que nenhum indivíduo pode ser despido de sua condição de titular de direitos fundamentais por meio da arbitrária exclusão deste ou daquele ser do âmbito de pertencimento à Humanidade.


Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Ainda que não somente a vida humana seja merecedora de proteção, é virtualmente unânime, salvo exceções compreendidas em círculos ambientalistas, que a vida humana possui valor imanente e imensuravelmente maior do que qualquer outro ser vivo doutra espécie.


Nesses termos, resta evidente a importância de reconhecer o pertencimento à espécie humana. Sem a prévia admissão da condição humana, o indivíduo é completamente alijado de todo e qualquer sistema de direitos e garantias individuais e relegado a um lugar nenhum, ou seja, à condição de existir fora do âmbito de proteção jurídica, para aquém de qualquer direito, em um espaço no qual sua existência é jurídica e axiologicamente vazia.


O direito a ter direitos confunde-se, em certa medida, com a dignidade da pessoa humana, sendo que o pleito de pertencimento à espécie humana pode ser entendido à luz do Shibolet que autoriza a passagem do ser vivo de uma margem na qual sua vida é considerada indiferente ou indigna de proteção, para outra margem na qual, recepcionado na/pela família humana, passa a ser dotado de especial dignidade e merecedor de elevada proteção.


Muitas vezes na História, certos grupos humanos foram violentamente perseguidos, sendo-lhes negado a condição de humanidade, como foi o caso da escravidão nas Américas e a perseguição nazista de judeus, ciganos e outros grupos étnicos. Por serem arbitrária e injustamente negados em sua essencial condição humana, foram-lhes negados, consequentemente, qualquer outro direito.


Nestes termos, segundo Hannah ARENDT em trecho extraído de seu livro “As origens do Totalitarismo”:


"Só conseguimos perceber a existência de um direito de ter direitos (e isto significa viver numa estrutura onde se é julgado pelas ações e opiniões) e de um direito de pertencer a algum tipo de comunidade organizada, quando surgem milhões de pessoas que haviam perdido estes direitos e não podiam recuperá-los devido à nova situação política global. O problema não é que essa calamidade tenha surgido não de alguma falta de civilização, atraso ou simples tirania, mas sim que ela não pudesse ser reparada, porque já não há qualquer lugar ‘incivilizado’ na terra, pois, queiramos ou não, já começamos a viver num Mundo Único. Só com uma humanidade completamente organizada, a perda do lar e da condição política de um homem pode equivaler à sua expulsão da humanidade (1989, p. 330)"


Daí ser imprescindível considerar que a inata dignidade daquele ente vivo da espécie humana – simplesmente por pertencer à Humanidade - pressupõe que sua existência seja imbuída de imanente valor e isso se dá, justa e tão somente, em razão da peculiar condição de membro da Humanidade.


O direito a ter direitos e a dignidade da pessoa humana encontram-se, portanto, indissociavelmente relacionados, de modo que não há dignidade humana sem pertencimento do ser à Humanidade e não há de se falar em inclusão na Humanidade sem o reconhecimento da dignidade inerente ser humano. O direito a ter direitos, indissociavelmente relacionado ao pertencimento à Humanidade, implica ainda na afirmação do imperativo universal de que todo ser humano deve ser, necessariamente, considerado insubstituível em razão da especial dignidade que lhe é inerente.


É, pois, insacrificável, em razão do valor imanente de sua vida, sendo, portanto, juridicamente sagrado. Estabelecido o pertencimento à Humanidade como pressuposto elementar de todos os direitos humanos, deve ser reconhecido de formal universal igualitária, independentemente de qualquer outra condição, quer seja de raça, cor, etnia, origem regional ou nacional, sexo, gênero, orientação sexual ou crença religiosa.

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