Henrique Tremura Lopes[i]
[i] Advogado. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (2017). Advogado sócio fundador da Tremura Advogados. Professor da Escola Superior da Advocacia (2019).
Vivemos tempos de pós-verdade. Em rápidas palavras, este neologismo retrata a realidade em que fatos objetivos são menos importantes que crenças pessoais e emoções apelativas quando necessário criar, ou modelar, uma opinião. Segundo o Dicionário Oxford, o substantivo foi a palavra do ano em 2016.
Eduardo Cambi e Nicole Naiara Schmitz[i] nos ensinam que a pós-verdade é marcada por grandes narrativas e desprezo pela realidade. O fenômeno “utiliza-se de mentiras, meias verdades, discursos que visam confundir o receptor e manipular o seu pensamento, em substituição a dados empíricos e comprovados pela ciência”.
Em que pese tal fenômeno ser mais perceptível no campo político, seus atores se manifestam em diversas áreas, inclusive em processos judiciais. Acusações infundadas, muitas vezes sem materialidade, ganham força e, ao mesmo tempo, fortalecem a judicialização da política, incentivam o ativismo judicial e nutrem o lawfare.
Bem verdade que direito e política não se separam. Com o agigantamento do Poder Judiciário, a Política, naturalmente, assume papel de protagonismo. Mas é preciso cuidado.
Ricardo de Lins e Horta e Alexandre Araújo Costa[i] trazem que as “percepções intuitivas do julgador não são influenciadas apenas pelas suas crenças e preconceitos, mas também por fatores ambientais dos mais variados tipos”.
Ou seja, crenças pessoais e o clamor popular passam a ter grande importância quando da prolação de decisões.
Sob o prisma da pós-verdade, com enfoque no ativismo judicial e no lawfare, surgem os questionamentos de como tais institutos afrontariam os direitos humanos e, também, quais seriam as consequências na dignidade da pessoa humana.
Ativismo judicial e lawfare estão intimamente ligados com a degeneração do chamado Estado de Direito, que, como muito bem ensina Marcílio Toscano Franca Filho[i], é a ideia do direito como governando a todos, a “submissão ao império da lei”.
Com atuação exacerbadamente proativa e bastante expansiva, o Poder Judiciário profere decisões, muitas vezes nutridas pela “voz das ruas”, para interferir em pontos que originariamente, tomando por base o conceito de repartição dos poderes e, também, o “Estado de Direito”, não seriam de sua competência. É o chamado ativismo judicial[i].
Já o lawfare, que é a desinstrumentalização do Estado de Direito[i], é uma realidade que, sem ideologias ou partidarismo, não escolhe lados. Através de processos judiciais, com a má aplicação, não aplicação ou sub aplicação do direito, promove-se uma verdadeira “guerrilha” como forma de influenciar o processo democrático.
No Brasil o lawfare é pouco discutido, porém merece atenção. A utilização dos meios “legais” como “armas” para que o “inimigo” seja atingido politica ou financeiramente e, também, tenha a liberdade cerceada e sua imagem seja eternamente maculada, causam danos irreparáveis à dignidade da pessoa humana, ferindo princípios elementares de direitos humanos.
As proporções tomadas em grandes operações midiáticas, em todas as fases e em todas as instâncias, são gigantescas. Tal situação, algumas vezes, faz com que seus atores fiquem acima do império das leis e avilta, liminarmente, direitos fundamentais dos “alvos”.
Para que um clamor popular seja acalantado, uma falha legislativa sanada ou um desmando administrativo evitado, invoca-se o ativismo judicial e empunha-se as técnicas do lawfare no decorrer do processo.
Além dos reflexos no Estado de Direito e no processo democrático, são muitos os revérberos em direitos fundamentais dos “alvos”, sendo que direitos humanos desrespeitados durante a “guerra”.
As táticas aqui brevemente descritas rechaçam de maneira patente o devido processo legal que, além de ter previsão constitucional, insculpe-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos.
Conclui-se, portanto, que a utilização de técnicas de lawfare e a expansão do ativismo judicial atingem, inquestionavelmente, o devido processo legal e, em consequência, rechaçam os Direitos Humanos.
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[i] LAWFARE: UMA INTRODUÇÃO AO TEMA E UMA APROXIMAÇÃO À REALIDADE BRASILEIRA. Erica do Amaral Matos. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 161/2019 | p. 227 - 248 | Nov / 2019 | DTR\2019\40887
[i] O ATIVISMO JUDICIAL E A INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA ESCOLHA DE POLÍTICAS PÚBLICAS. Rachel Nunes de Carvalho Farias. Revista dos Tribunais Nordeste | vol. 7/2014 | p. 127 - 150 | Set - Out / 2014
[i]https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/200/r133-12.PDF?sequence=4&isAllowed=y. Acessado em 11/08/2020
[i] Vieses na decisão judicial e desenho institucional: uma discussão necessária na era da pós-verdade. Disponível em Cadernos Adenauer XVIII (2017) nº1 – p. 11/34. https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=debafebe-1c75-ab9d-80d6-8d50bbbd350c&groupId=265553
[i] PÓS-VERDADE, PÓS-DEMOCRACIA E PROCESSO. Revista de Processo | vol. 301/2020 | p. 35 - 75 | Mar / 2020 | DTR\2020\416.
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