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CRAM como instrumento de efetivação dos Direitos Humanos das Mulheres

Atualizado: 16 de jan. de 2021




Aline da Rocha Schultz


Como toda mulher, seria meiga, submissa, dependente, vaidosa, passiva. Daria muito amor ao marido e aos filhos e amaria os outros antes de amar a si mesma. Assim altruísta, estaria sempre pronta a servir, vivendo em função do que vão pensar dela, única fonte de afirmação de sua própria personalidade. Emotiva, sensível, intuitiva e imprevisível, irracional, incapaz de se concentrar, ninguém esperaria dela grandes realizações, mas sempre lhe ficaria a possibilidade de se realizar através dos outros, por exemplo de um homem amado. Ele sim, seria ativo, agressivo, independente, e objetivo, cheio de projetos, de desejos, querendo ser alguém, ter sucesso e deixar a marca de sua passagem pelo mundo. Na história da passagem dele pelo mundo, o papel dela seria o de apoiá-lo afetivamente, garantindo a harmonia de uma família, o calor de um lar, tão tranquilo que ele nem precisaria se preocupar. E com essa paz de espírito, com essa retaguarda assegurada, ele partiria para suas aventuras, estável, sólido, voluntarioso e não se deixando levar pelos sentimentos. Ela, da soleira da porta, ficaria jogando beijo, um olhar carinhoso, um ―vai com Deus (OLIVEIRA, et. al, 1996, p. 25).


Aline da Rocha Schultz

A definição de papéis sociais e de locais sociais específicos e distintos para homens e mulheres na atualidade é fruto da naturalização de representações sociais que subjugam as mulheres e decretam a elas espaços pouco valorizados e de baixa remuneração. Assim como na citação acima de Oliveira (1996), às mulheres pretende-se resignar os espaços do lar e dos cuidados com os filhos e com o marido, mas, quem pretende? As pretensões sobre quais locais na sociedade destinam-se as mulheres estão impostas e naturalizadas nas estruturas da cultura, estão na mente e na mídia, no imaginário social e assim como foram construídas podem ser descontruídas. Sobre a construção dos papéis sociais para os corpos sexuados fala-se de gênero.


No entanto, o que é gênero?


Por gênero entende-se “uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado” (SCOTT, 1990, p.7). A este respeito, Scott (1990) afirma que “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado as relações de poder” (p.14).


Se existem relações de poder, nelas está presente a dominação de um indivíduo sobre o outro, e, particularmente analisando as relações entre os sexos, é notória a dominação masculina. Bourdieu (2010) afirma que “simbolicamente, [...] as mulheres só podem exercer algum poder voltando contra o forte sua própria força, ou aceitando se apagar” (p.43).


Ciente da necessidade da desconstrução dos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres e que, de maneira latente ou manifesta estes naturalizam desigualdades de acesso e permanência de ambos os gêneros em ambientes públicos e privados, e que instituem relações de dominação que podem vir a gerar violências, o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência - CRAM é uma unidade voltada para a efetivação de Política Públicas que orienta suas ações com intuito de se fazer cumprir os Direitos Humanos para as Mulheres e almeja a ressignificação de modos de existir para os indivíduos em sociedade, principalmente para mulheres em situação de violência.


Ao tomar o cenário estadual como análise, segundo o mapa do feminicídio de Mato Grosso do Sul, no ano de 2019, 30 mulheres foram vítimas de feminicídio e 98 sobreviveram para contar sua história, a cada dia 51 mulheres denunciaram terem sido vítimas de violência doméstica e a cada hora duas mulheres foram vítimas de ameaça de morte o que torna evidente a necessidade da efetivação de instituições como o CRAM na rede de atendimento às mulheres vítimas de violência. Contudo, como o CRAM pode atuar na efetivação dos direitos humanos para as mulheres?


De acordo com as Normas Técnicas de Uniformização para Centros de Referência de Atendimento à Mulher, os Centros de Referência devem ser espaços de acolhimento, tendo como princípios norteadores de suas ações:


a) Atender às necessidades da mulher em situação de violência; b) Defesa dos direitos das mulheres e responsabilização dos agressores; c) Reconhecimento da diversidade das mulheres; d) Diagnosticar o contexto em que o episódio de violência se insere; e) Evitar ações de intervenção que possam causar maior risco à mulher em situação de violência; f) Articulação com os demais profissionais dos serviços da Rede; g) Gestão democrática. Envolvimento de mulheres no monitoramento das ações. (NORMA TÉCNICA DE UNIFICAÇÃO PARA CENTROS DE REFERÊNCIA DE ATENDIMENTO À MULHER, 2016, p. 16)


A violência contra as mulheres é uma forma de violação dos direitos humanos ao atingir o direito à vida, a saúde e a integridade física, é entendida como um fenômeno de origem cultural, construída e naturalizada na vida cotidiana, e por isso deve ganhar destaque nas discussões que envolvem os direitos das mulheres, ao considerar que as violências sofridas pelas mulheres são silenciosas e veladas.


As ações do CRAM contribuem para a efetivação dos direitos humanos para as mulheres por serem pautadas no questionamento das relações de gênero, base das desigualdades sociais e da violência contra as mulheres, voltando sua atenção ao enfrentamento de todas as formas de violência (sexual, moral, física, psicológica e patrimonial), além de situações como tráfico de mulheres, assédio sexual e moral.


Sabe-se que as ações do CRAM de forma isolada não obterão resultados significativos para a sociedade, é necessário uma rede de enfrentamento a violência engajada por diferentes setores da sociedade, dispostos a mudar como pensamos as maneiras de existir e ser mulheres e homens nas relações sociais, enquanto isso não se efetiva, as ações do CRAM proporcionam mudanças significativas na vida das mulheres que já sofreram violência, trabalhando para o dia em que seus serviços não sejam mais necessários, não pela negação da violência mas pela total conquista de equidade de direitos entre os sexos.



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